Manaus foi palco de um evento inédito entre os dias 27 e 31 de agosto de 2024: a “I Jornada Multiprofissional de Cirurgias de Modificações Corporais em Pessoas Trans e Intersexo”, realizada no Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas (HUGV-Ufam/Ebserh). Esse evento pioneiro trouxe um novo olhar para a humanização do atendimento e cirurgias em pessoas trans e intersexo, destacando-se pela promoção da autonomia e respeito à autodeterminação dos pacientes.
A jornada contou com cirurgiões de diversas partes do Brasil, vindos de estados como Bahia, Sergipe, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que uniram forças com médicos locais para proporcionar uma série de cirurgias em jovens e adultos intersexo e transgêneros que, até então, viviam em sofrimento físico e psíquico devido à ausência de procedimentos adequados e consentidos. O evento não só atendeu às demandas locais, mas também visou capacitar equipes de saúde da região para o atendimento de pessoas trans e intersexo, ampliando o acesso à saúde humanizada para populações marginalizadas, como indígenas e ribeirinhos.
Um dos destaques do evento foi a presença da Professora Doutora Thais Emilia de Campos dos Santos, educadora, psicanalista e presidente da Associação Brasileira Intersexo (ABRAI). Thais Emilia tem uma longa trajetória na defesa dos direitos das pessoas intersexo, e sua atuação foi crucial para o sucesso dessa jornada. Em 2022, Thais entrou em contato com as equipes de saúde de Manaus durante um encontro de Direitos Humanos em São Paulo, onde orientou profissionais sobre as particularidades das pessoas intersexo, incluindo a situação de povos indígenas da Amazônia.
Durante a I Jornada de Manaus , Thais Emilia participou da mesa de abertura juntamente com outras autoridade. A abertura da Jornada, que aconteceu na noite da terça-feira (27), a diretora de Atenção à Saúde da Ebserh, Lumena Furtado, mencionou a importância da criação de serviços especializados para este público. “A Ebserh tem trabalhado com uma perspectiva de que toda a nossa Rede possa, cada vez mais, estar fazendo o ensino, a pesquisa e a assistência preocupados com um cuidado inclusivo. O acesso tem que ser garantido por processos de trabalho que reconheçam a diversidade e as necessidades singulares”, ressaltou.
A gestora destacou a participação de diversos profissionais de todo o país, em especial, das equipes de quatro hospitais da Ebserh, destacando a atuação em Rede: o Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (Hupes-UFBA); o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE); o Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF); e o Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS).
No decorrer do evento a educadora Thais Emilia ministrou formação especializada para médicos e profissionais de saúde sobre os Direitos Humanos das pessoas intersexo, abordando aspectos psicossociais e as angústias vividas por essas pessoas. Em suas palestras, ela destacou a importância da distinção entre as Diferenças do Desenvolvimento do Sexo (DDS) e o conceito de intersexo.
A jornada foi especialmente importante no contexto intersexo, já que muitos dos pacientes que participaram das cirurgias estavam há anos esperando por procedimentos que respeitassem seu desejo, consentimento e capacidade reprodutiva. Essas pessoas puderam ser atendidas de forma digna, em um ambiente que prezou pelo respeito à sua autonomia e ao seu direito de autodeterminação corporal. A Dra. Thais Emilia enfatizou a importância desse marco para a humanização das cirurgias em pessoas intersexo, ressaltando a necessidade de interromper a prática de cirurgias estéticas, precoces e irreversíveis em bebês intersexo, que ainda não podem participar das decisões sobre seus corpos.
O evento foi uma iniciativa de Dra. Daria Neves, ginecologista e professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que foi fundamental para a concretização dessa iniciativa. Dra. Daria buscou aproximar o diálogo entre cirurgiões e pacientes intersexo, além de fortalecer a parceria com o movimento social. Sua proposta visou, acima de tudo, qualificar os profissionais de saúde e garantir que os procedimentos cirúrgicos respeitassem os direitos humanos, preservando a integridade física e emocional dos pacientes.
Esse evento representa um marco histórico no debate sobre a humanização do atendimento a pessoas intersexo, e reforça a importância de não realizar cirurgias estéticas em bebês intersexo ou em qualquer pessoa que não possa participar plenamente das decisões sobre seu próprio corpo. A I Jornada de Cirurgias de Modificações Corporais em Manaus não apenas atendeu a uma demanda antiga da população trans e intersexo da região, mas também abriu caminho para um atendimento mais inclusivo e humanizado em todo o país.