Documento elaborado por: ABRAI /Comitê de Saúde LGBTI da cidade de São Paulo
(para os responsáveis/pais/mães)
É menina ou menino?
Esta dúvida já vinha desde que fez os primeiros exames de ultrassom e, agora, olhando a genitália do bebê vemos que ela é diferente daquilo que esperávamos. É compreensível que os pais se sintam como se isso só acontecesse com eles. A primeira informação que você deve receber e saber é a de que você (pai, mãe ou responsável) não está sozinho.
No estado de São Paulo, temos mais de 93 famílias no ano de 2017 que receberam essa mesma notícia. Estes dados são os que entram como notificação, mas ainda temos subnotificações e casos não relatados em todo Brasil. Sempre que a equipe da sala de parto não puder identificar pelo exame físico da genitália do bebe, se ele é um bebe do sexo designado como masculino ou feminino, a equipe estará diante de um bebe Intersexo de âmbito visível, pois há outros casos não aparentes.
É importante que vocês sejam recebidos e saibam como percorrer o caminho em busca de ajuda dentro do sistema de saúde com apoio de outras mamães, papais e outros responsáveis ligados a comunidade Intersexo.
Alguns pontos abaixo, podem nos ajudar a compreender melhor este caminho:
Etapa 1 – Avaliação
Avaliação da genitália pela equipe médica, apesar de não publicizado, neste momento as primeiras especificidades podem ser explicadas pela equipe médica e com nosso grupo de apoio;
Etapa 2 – Primeiro Documento
Preenchimento da Declaração de Nascido Vivo (DNV) de bebê antes da alta hospitalar, isso assegurará que a documentação seja providenciada e a garantia do atendimento pelo Sistema Único de Saúde – SUS;
Etapa 3 – Acolhimento
Acolhimento, triagem e assistência por equipe multidisciplinar em serviço de referência, isto é uma equipe multidisciplinar é aquela composta por vários especialistas, dentre eles vocês terão acesso à endocrinologista, cirurgião pediátrico ou urologista pediátrico, geneticista, assistente social, psicólogo, profissionais de enfermagem, dentre outros.
Etapa 4 – Exames diagnósticos
São exames realizados para identificar o quadro geral da condição biofisiológica de seu bebê. Estes exames podem apresentar desde os motivos pelos quais seu bebê apresenta uma condição Intersexo, podendo ser visível, como uma variação no desenvolvimento da sua genitália ou de outra ordem (cromossômica, gonadal etc). Importante lembrar que temos a genitália interna e externa, composta por órgãos sexuais que carregam informações preciosas sobre aquilo que compreendemos como sexo. Esta ordem nem sempre é binária! Por vezes a condição Intersexo expõe as limitações que ainda existem quanto as informações que circulam na sociedade. Essas informações serão importantes para saber se há alguma doença associada à genitália observada como “diferente” ou não. Caso tenha sido detectado no EXAME DO PEZINHO alguma doença ou condição, os médicos indicarão melhor tratamento. Isso não é incomum e é preciso atenção para que juntos possamos discutir suas dúvidas e, assim, promover a saúde de sua criança.
Etapa 5 – Tratamento
Algumas condições Intersexo exigem tratamento específico, avaliações por especialistas que podem compreender desde uma reposição hormonal, uso de hormônio do crescimento (GH) ou outro elemento até intervenções cirúrgicas (por exemplo de coração, dos rins, do ânus, da bexiga) que poderão ser indicadas em fases distintas ao longo da vida. Cada forma de Intersexo, também conhecida pelos médicos por Diferenças do Desenvolvimento do Sexo ou DDS, terá um plano terapêutico único e desenvolvido para seu bebê. Faça suas perguntas a equipe de atendimento e sinta-se parte integrante desse time sabendo que enquanto se informa também estará sendo formada para levar informações a tantas outras pessoas em condições similares.
Acreditamos que para um desenvolvimento saudável e feliz de seu bebe, papais, mamães e responsáveis devem sentirem-se acolhidos e bem informados. A ABRAI dispõe de parceirxs treinados para o repasse de informações, palestras e formações, mas ainda somos poucas/poucos e precisamos de você!
Todo o conhecimento que você puder adquirir ajudará a criança compreender o que está acontecendo e, futuramente, ajudará a contar para ela todo o cuidado e carinho que recebeu desde o dia em que nasceu.
Ao final, informaremos locais de trocas de experiências com outras famílias e grupos de acolhimento e apoio, mas antes, traremos informações complementares em forma de perguntas e respostas:
TIRANDO DÚVIDAS
1- Como é o bebê Intersexo?
É um bebê igual a tantos outros bebês, que fazem gracinhas, dormem, choram, precisam ser cuidados, precisam ser amamentados e acariciados, ou seja, como qualquer bebe, precisam de amor. O que um bebe Intersexo apresenta de diferente em alguns casos é a sua genitália. A genitália é composta de órgãos sexuais/reprodutivos internos e externos, que sofrem alterações a partir dos hormônios sexuais, geralmente seguindo as informações dos cromossomos sexuais (do tipo 46 XX, 46 XY, 47XXY, 47 XXX, 45 X0 entre outros ainda não categorizados). Estes bebês que nascem com as características sexuais diferentes daquelas conhecidas e tipicamente relacionadas ao sexo masculino ou feminino. Hoje já sabemos que de 1 a cada 4.500 nascimentos por ano são de bebês Intersexo, o que representa cerca de 2.500 crianças de 0 a 15 anos somente no estado de São Paulo (IBGE, 2018), mas pode ser ainda maior esse número. A Organização das Nações Unidas compara o número de bebês Intersexos com a população de pessoas ruivas.
2- Como fico sabendo se meu bebê é intersexo?
A medicina evoluiu muito e hoje já podemos saber se um bebê apresenta diferenças na formação da sua genitália durante os exames do ultrassom, ou pelo exame de sexagem. No entanto, a grande maioria dos bebes são identificados ao nascer, quando o obstetra, neonatologista, ou enfermagem obstétrica examina a genitália e identifica que é diferente.
3- Meu bebê Intersexo é menino ou menina?
Alguns pais falam que tem uma filha menina que é Intersexo quando a bebê tem mais características biológicas femininas, outros falam que tem um filho menino Intersexo quando o bebê tem mais características biológicas masculinas. Mas há bebês que não tem mais características de um ou de outro, ou tem dos dois, então podemos dizer que é Intersexo. Portanto, diante de bebês ou crianças Intersexo, a equipe multidisciplinar poderá nos ajudar a identificar e acompanhar alguns critérios para apontar a direção mais segura para sugerir uma designação do sexo biológico. Esse processo muitas vezes pode ser longo, pois envolve um conjunto de itens que devem ser levados em conta, por exemplo, o critério hormonal, genético molecular, gonadal, social e psicológico dessas crianças.
4- Como vou criar o meu bebê? Que roupas devo vestir? Quais brinquedos devemos presentear?
É normal ter essa dúvida e se questionar sobre, qual a melhor forma de criar meu bebê? Como menino, menina ou neutro? No entanto você deverá decidir seguindo princípios de respeito (para com futuro deste bebê) e limitação (pois sabemos que a linguagem e a cultura estão sempre em transformação), acima de tudo você precisará acessar bons conteúdos e se (in)formar acerca do que acordo que de fato seja uma boa educação para seu bebe. Pense que não há brinquedo de menino ou de menina, que brinquedos são apenas brinquedos. O ideal é tratar como uma criança, um ser em desenvolvimento que precisa ser exposto a diversos e variados estímulos. Pense que mesmo que criem e vistam roupas culturalmente apresentadas como mais próximas de um determinado gênero, o importante é os pais terem em mente que isso pode mudar futuramente, que sua criança ou adolescente possa se identificar de outra maneira. O mais importante é o apoio de toda família para que a criança seja feliz.
5- Meu bebê irá se desenvolver normalmente?
Crianças Intersexo brincam e podem se desenvolver como toda criança. Algumas podem ter alterações na estatura por causa de suas características hormonais, algumas podem não desenvolver a puberdade espontaneamente e necessitar de hormônios sexuais, outras serão inférteis ou com baixa fertilidade. Uma parte das crianças Intersexo poderão necessitar de outros hormônios como o corticoide, outras de medicamentos cardíacos ou renais, ou mesmo de cirurgias especificas. Em geral a inteligência, a coordenação motora, os desenvolvimentos emocionais são semelhantes as demais crianças. Muitas têm excelente desempenho escolar, mas algumas tem problemas escolares limitantes, como dificuldade de concentração e problemas com matemática, por exemplo, e devem ser vistas pela neuropsicologia, fonoaudiologia e psicopedagogia caso a caso.
6- Como devo registrar meu/minha bebê Intersexo?
No Brasil temos a lei 12.662/2012 que regulamenta o preenchimento da DNV – Declaração de Nascido Vivo, que é um documento que deve ser preenchido por médicos e/ou enfermeiras nas maternidades para os pais fazerem a certidão de nascimento no cartório. No campo sexo deste documento tem 3 itens:
• ( ) masculino
• ( ) feminino,
• ( ) ignorado.
Os bebês Intersexo devem ter o campo sexo ticado em ignorado, pois assim não ficam sem registro. Assim, você escolhe um nome para seu bebê e a certidão será emitida com o nome do bebê, igual à dos outros bebês, apenas não constará o sexo nesse documento. Receber a DNV do seu bebê é um direito de todas as mães, pais e bebês nascidos, garantindo acesso aos direitos relacionados com a maternidade e a paternidade do bebê. O seu bebê também possui o direito de ser registrado, e para isso é assegurada a expedição da DNV. O registro de nascimento do seu bebê deve ser preenchido para assegurar que seu bebê tenha garantidos os direitos de saúde, educação, assistência social, justiça, e também para que a mãe posso receber auxílio maternidade, dentre outros. Não aceite que neguem ou justifiquem a não entrega da DNV. Sobretudo pense em um nome cujo a marcação de gênero em nossa cultura seja menor.
7- Quando devo definir o sexo de meu bebê?
O sexo de seu bebê é Intersexo, o que por si só já é uma categoria de sexo biológico. As pessoas adultas Intersexo nos orientam a esperar que sua criança possa crescer e começar a expressar como gostaria de passar por esta definição. Como quer que seu corpo fique, alinhados ou não às características sexuais que irão se desenvolver mais. Isso pode ocorrer na infância ou
na adolescência durante a puberdade. Para algumas pessoas isso só ocorre na vida adulta. Mas isso não impede que você eduque como menino ou menina, ou apresente possiblidades de uma educação neutra.
8- Como cuidar de meu bebê Intersexo?
Cuide dele do mesmo jeito que se cuida de todos bebês. Provavelmente precise de acompanhamentos com especialistas por toda vida, pois com a puberdade é necessário dar mais atenção as questões hormonais e, eventualmente, cirúrgicas.
9- Meu bebê deve ter acompanhamentos médicos especializados?
Sim, geralmente com endocrinologista, geneticista, urologista e ginecologista. Também é importante um acompanhamento psicopedagógico e psicológico para a criança e para a família.
10- Meu bebê deverá fazer terapia hormonal?
Também dependerá do caso. Isso deve ser avaliado pelo médico, pela família e também ouvindo as necessidades e desejos da criança ou adolescente.
11- Meu bebê precisa operar a genitália, adequar para masculina ou feminina?
Essas adequações devem ser evitadas em bebês e crianças por ainda não se expressarem como se identificam e se expressam, seja como homem ou como mulher, ou outra expressão. E também porque essas cirurgias de adequação são irreversíveis. Apenas em casos que envolvem risco à saúde devem ser realizadas cirurgias e não para definição do sexo. Mas a avaliação deve ser criteriosa e multidisciplinar, e envolver uma avaliação de bioética, sempre tendo em vista o bem-estar físico e emocional da criança.
12- Quando as cirurgias genitais são indispensáveis?
Apenas quando envolver risco a saúde de bebês ou crianças Intersexo, evitando assim procedimentos puramente estéticos.
13– Devo contar para meu filho e para outras pessoas que ele é Intersexo?
Apesar de ser uma decisão da família, cabe salientar que estudos indicam que manter segredo causam danos psicológicos graves. A pessoa poderá se sentir traída e não confiar mais na família, afinal quando crescer, descobrirá sua condição. Sendo assim, estimulamos que o dialogo seja o quanto antes e de modo natural. Pense em como você contaria para sua filha ou filho o motivo de usar roupas, por exemplo. Tem coisas que não demandam grandes explicações quando ainda falamos de crianças pequenas e bebês, talvez iniciar com pequenas matérias ou reportagens já possa ajudar a toda família a não tornar uma condição natural, um elemento de exotificação. O mais indicado é lidar com naturalidade e a criança crescer sabendo que é Intersexo, que isso é só uma diversidade biológica, que não a faz menos menino ou menina.
14- Como explicar para meus familiares, amigos e conhecidos que meu bebê é Intersexo?
Explique que ele tem variações nas características do desenvolvimento do sexo, que é uma questão de diversidade biológica de nascimento, apenas isso. É uma criança que poderá ser feliz como as outras se não houver a desinformação como centro nesta família.
15- Como a escola deverá agir com minha criança Intersexo?
A escola deve saber da condição do seu filho. Converse com a coordenadora pedagógica e forneça informações importantes para a escola. Por exemplo, ensinar nas aulas de ciências ou de biologia sobre a diversidade dos sexos. Muitas escolas já ensinam nas aulas de biologia sobre a existência de pessoas Intersexo de forma bem natural. Também orientar a escola não separar filas de meninos e meninas, e que a criança deverá usar o banheiro pela identificação se for criado como menina o banheiro feminino, se for educado como menino o banheiro masculino, mas se não há uma identificação binária (masculino e feminino) pode combinar com a escola o
uso de banheiro neutro ou o de pessoas com deficiência (PCD). A escola não pode se recusar a realizar a matrícula de sua criança por ser Intersexo. A criança deve ser ouvida e deverá ser respeitada sempre, inclusive respeitando-se a própria identificação de gênero.
São Paulo – SP, dezembro de 2020.
Autoras – Mães de bebês Intersexo
Dra. Thais Emilia de Campos dos Santos – Doutora em Educação e Presidente da ABRAI
Cássia Nonato – Conselheira da ABRAI
Revisão
Sara Wagner York
Colaboradores
Me. Dionne Freitas – Terapeuta Ocupacional, Pessoa Intersexo e Diretora da ABRAI Shay Bittencourt – Vice-presidente da ABRAI e Pessoa Intersexo
Walter Mastelaro Neto – Advogado e Diretor da ABRAI
Dr. Raul Aragão Martins – Livre Docente em Psicologia- UNESP
Dr. Magnus Regios Dias da Silva – Livre Docente em Endocrinologia – UNIFESP
Dra. Mariana Telles Silveira – Doutora em Psicologia – UNIFESP Me. Carolina Iara – Socióloga e Pessoa Intersexo. Diretora da ABRAI Me. Amiel Vieira – Sociólogo e Pessoa Intersexo
Giulianna Nonato – Doula e Pessoa Intersexo
Onde buscar ajuda?
ABRAI- Associação Brasileira Intersexo www.abrai.org.br